Humberto: criminalizar usuários e ampliar penas é inócuo

Humberto: criminalizar usuários e ampliar penas é inócuo

“É inaceitável se valer de um expediente reducionista com a finalidade de limpar as ruas de usuários, especialmente os de crack”.

Para Humberto, a internação compulsória não é
solução. O caso é de saúde mental

O avanço do crack no Brasil precisa ser enfrentado no âmbito da saúde mental e o Estado precisa ampliar a oferta de tratamento aos usuários. “Não é aceitável que nós venhamos a retroceder, enquadrando os usuários em uma legislação de viés penalista, que tenha como foco a droga e não o cuidado com a pessoa”, alerta o senador Humberto Costa (PT-PE), médico e ex-ministro da Saúde no primeiro governo Lula.

Em pronunciamento no plenário nesta quinta-feira (14), Humberto demonstrou preocupação com as abordagens que tentam criminalizar os usuários ou recorrer a instrumentos como a internação compulsória e citou o Projeto de lei da Câmara (PLC 37), conhecido como “PL das drogas” e que está em tramitação no Senado. A proposta pretende alterar uma série de legislações, a pretexto de “endurecer” o tratamento aos usuários de drogas.

“Não se pode dissociar qualquer discussão sobre repressão às drogas e tratamento a usuários do guarda-chuva jurídico-normativo criado pela reforma psiquiátrica. É inaceitável se valer de um expediente reducionista com a finalidade de limpar as ruas de usuários, especialmente os de crack. Não é assim que nós vamos resolver essa chaga social”, alertou o senador.

“A internação compulsória não é solução para o problema. É uma forma absolutamente equivocada de abordá-lo”, afirmou o senador. Ele citou uma pesquisa da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) apontando que oito em cada dez usuários de crack gostariam de ter direito a um tratamento. “É um ato manifesto de vontade, é um desesperado desejo de sair da dependência química e das condições subumanas em que vivem, o que demonstra, claramente, que a ênfase na internação involuntária é uma política descolada da realidade”.

 

Humberto alerta que as estratégias baseadas na criminalização de usuários e ampliação de penas são inócuas para combater o problema. “Usuários de drogas não podem ser tipificados como traficantes. São, antes de tudo, seres humanos dos quais o Estado tem a obrigação de resgatar a cidadania perdida”. Ele defende a ampliação da rede dos centros de atendimento psicossocial, dos consultórios de rua, estruturas em que médicos e outros profissionais de saúde abordam os moradores de rua dependentes do crack, oferecendo-lhes alternativas de tratamento. “Precisamos ampliar os espaços de desintoxicação, especialmente nos hospitais gerais, e aproximar essa estrutura dos usuários”.

O senador destaca que a Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, foi um grande avanço para a garantia dos direitos das pessoas que têm transtornos psíquicos e deu um novo rumo ao nosso modelo assistencial na área da saúde. Essa conquista, enfatiza Humberto, não pode ser fragilizada em nome de uma política de combate às drogas que já se provou ineficaz. “O grave problema das drogas, com o qual o mundo lida hoje tem contaminado de forma muito negativa o tema da reforma psiquiátrica, mas não podemos permitir retrocessos”.

 

Humberto sugere um debate permanente sobre a reforma. “Ao longo desses últimos anos dos governos do PT nós tivemos avanços importantes nessa área: ampliação dos CAPs [Centro de Atendimento Psicossosial], a implantação do Programa De Volta Para Casa e tantas e tantas ações importantes. E uma das mais importantes foi termos trazido o tema das drogas para a esfera da saúde”, avaliou.

Duas pesquisas realizadas em 2012 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e a Fiocruz, uma de natureza domiciliar e outra, de caráter epidemiológico, apontam que cerca de 370 mil pessoas utilizam crack no Brasil, o que equivale a 35% dos consumidores de drogas existentes no País. O Nordeste é a região que apresenta maior quantitativo: 150 mil pessoas. Entre os usuários de crack, 14% são crianças e adolescentes, 28 mil deles localizados apenas no Nordeste.

“Além disso, um inquérito epidemiológico de 2011 mostrou que, entre os consumidores de crack, a incidência de Aids é oito vezes superior à na população em geral. Os homens negros – um perfil bem conhecido no nosso País como vítimas de inúmeras mazelas sociais – representam quase 80% desse público”, relatou Humberto.

Cyntia Campos

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